domingo, 8 de março de 2009

A crise da educação pública como reflexo de uma sociedade contraditória (2007)

por Cássio Diniz
professor de História e Sociologia do Estado de Minas


Apresentação

O presente texto tem como objetivo iniciar um debate acerca da crise da educação pública em que nos encontramos. Diante de uma situação amplamente discutida entre os profissionais da educação, mas poucas vezes elevadas ao debate sério entre os mesmos (a comunidade acadêmica mais próxima desta realidade) surge a possibilidade de avançarmos na compreensão da atual conjuntura educacional, tanto a níveis internacional e nacional, como também regional e local. Ressalto novamente que este texto não poderá ser considerado como fim sobre si mesmo, e que este debate deve avançar com contribuições de diferentes pontos de vista, incluindo aqueles que apontem as sua contradições.
Este primeiro texto procurará fazer uma análise mais histórica, devido a natureza do professor que aqui vos escreve. Uma análise que busque as razões e motivos que servirá de base ao atual projeto educacional (que já conhecemos como falido). Ele buscará também fazer uma análise internacional e nacional da educação e por fim identificar os problemas diretos e indiretos da educação e relacioná-los com a sociedade em que se encontra.
Ressalto aqui que a matriz metodológica usada nesta análise será calcado sob uma perspectiva marxista, que considero ideal para este tipo de trabalho. Pelo fato do uso desta análise, este trabalho poderá encontrar resistência entre alguns colegas profissionais da área. Aproveito aqui para fazer um convite para que estes posicionamentos sejam aproveitados neste debate.


Uma análise histórica do papel da educação nas sociedades

A educação terá, ao longo da história, diversas interpretações sobre seu papel diante de diversas sociedades na história da humanidade. Mas em todas (ou quase todas) poderemos encontrar elementos profundos que as colocará dentro de uma mesma categoria de objetivos impostos e desejados pelos respectivos grupos dirigentes.
Ao analisarmos as primeiras sociedades humanas, também conhecidas como sociedades primitivas, veremos a existência de uma organização social baseada na coletividade geral. Isto é claramente esclarecedor pelo fato que de nestas sociedades inexistia as divisões de classes sociais. Sociedades coletivas, em outras palavras, sociedades onde não havia qualquer tipo de exploração e opressão “social” (digo social porque a opressão do mais velho sobre o mais novo, do homem sobre a mulher, entre outros, não caracteriza opressão social, isto é, de uma classe que usa deste instrumento para usufruir do trabalho alheio).
Como todo trabalho era coletivizado dentro destas sociedades, os conhecimentos sobre o trabalho tinham que igualmente coletivizado. As técnicas de plantio, de caça, de coleta, de construção de abrigos, etc., era de direito à todos da comunidade. Esta coletividade é essencial para a sobrevivência da sociedade. Esta transferência de conhecimentos acerca da sobrevivência do homem pode ser considerada então como o primeiro modelo e objetivo da educação.
Aos passar dos anos (milhares de anos) as antigas sociedades primitivas deram lugar as sociedades divididas em classes sociais, resultado das divisões de trabalhos intelectuais e manuais e o apoderamento de recursos materiais (riquezas) por parte de uma minoria, surgindo a classe minoritária dos possuidores (que detinham o controle dos meios-de-produção de riquezas, como a terra e as ferramentas) e a classe majoritária dos despossuídos (que por isso mesmo necessitando sobreviver se submete a primeira). Resultado direto desta divisão social é o surgimento de um instrumento que manteria e defenderia este novo status quo, o Estado[1], sobre controle da classe minoritária.
Este novo instrumento, o Estado, necessitará, ao longo dos anos, de profissionais que possam dar cabo a administração da sociedade. O censor, o escriba, os militares e demais funcionários necessários para o controle do Estado e da sociedade deverá ser preparados para suas funções. A simples transferência de conhecimentos usados nas antigas comunidades primitivas se torna obsoletas. A educação a partir de então encontra novos contornos.
Nestas primeiras sociedades divididas socialmente, a educação terá como objetivo preparar profissionais que terá o controle do Estado. Desde o engenheiro egípcio responsável pela construção de um canal, até o escriba responsável pelo controle burocrático das letras governamentais serão formados sobre a responsabilidade de assumirem o controle do Estado. E como o Estado é um instrumento da classe dominante, estes futuros profissionais serão escolhidos entre a elite. Este novo modelo de educação já nasce excludente e elitista.
Mas mesmo tendo este objetivo, a educação não vai ser encarada como responsabilidade direta do Estado, mas sim da classe dominante. Isto torna-se claro ao estudarmos as sociedades escravocratas, como a grega e a romana. Os futuros funcionários e dirigentes (principalmente aqueles que, devido a circunstâncias especiais destas sociedades especificas, se tornaram sujeitos políticos dentro da chamada “democracia” grega e/ou romana) receberam uma educação com o objetivo claro de sua formação. Para isso, deste jovens, receberiam uma educação diretamente de sábios e intelectuais (muitos deles filósofos sofistas) oriundos de sua própria classe, e recompensados por eles.
A educação então, nestas sociedades que acabo de me referir, continuará sendo uma educação elitista, isto é, somente a classe dominante a teria, objetivando a conservação do controle estatal e social segundo seus próprios interesses. A plebe e aos escravos não resta opção senão o trabalho duro na produção das riquezas usufruídas pelas mesmas minorias.
Passado os anos e com o advento da Idade Média, a educação ganha novos contornos. O conhecimento vira quase que o monopólio do clero, onde somente a nova classe social dominante (nobreza) teria acesso através de seus filhos que iam estudar nos monastérios, assim formando os novos dirigentes, que substituiriam seus pais, ou no feudo, ou junto com a corte. Ao servo, o único conhecimento a que tinha direito era aquele que o seu pai lhe passava: o trabalho duro na terra produzindo para o seu senhor.
Na segunda metade da Idade Média, veremos surgir as primeiras universidades, conseqüência direta do florescimento das grandes cidades, como Paris, Londres, Conventry, etc. A necessidade de novos conhecimentos faz com que ocorra uma explosão educacional neste tempo. Mas esta explosão se restringiria somente a classe dominante, necessária de contínua formação de profissionais para o controle da sociedade. Junto a isso a introdução de um novo elemento social (futuramente uma classe) dentro deste contexto, contribuiria para esta explosão educacional: o burguês. A burguesia, ao longo do tempo adentraria neste mundo e devido ao seu poder econômico se encontraria dentro deste processo educacional
Ressalto aqui que em todos os momentos históricos até aqui retratados a educação foi responsabilidade direta da classe dominante. O Estado, até então, não havia se responsabilizado diretamente para a educação, mesmo sendo para a própria elite. Esta situação somente começou a mudar no final da Idade Média, e mais consistentemente durante a Idade Moderna.
Com o advento das revoluções burguesas, a nova classe social dominante verá que é necessário o Estado, por eles controlados, a assumir a responsabilidade pela educação e formação de seus dirigentes. O Estado então toma para si o controle da educação objetivando a preparação da nova elite. Começou então os investimentos pesados nas universidades, centros dos mais avançados conhecimentos técnicos e científicos. Mas somente os filhos da burguesia, a real interessada, teria acesso a esta educação. Como diria Martinho Lutero: a instrução constituía uma fonte de riqueza e de poder para a burguesia, mas também não é certo estender este benefício às massas populares. Como pensavam a época, para que os trabalhadores urbanos e camponeses teriam a educação, se o objetivo deles não era estar no controle da sociedade?

[1] Segundo a definição de Marx: o Estado é o instrumento de domínio da classe social dominante (O Estado é o comitê central da classe dominante)

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