quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Teoria: o que são classes sociais?


Teoria: o que são classes sociais?
por Cássio Diniz[i]


Muitas vezes ouvimos falar em classe baixa, classe média, classe alta, como forma de definir as classes sociais existentes em nossa sociedade. Contudo, a definição que permeia esses termos existentes no senso comum e nos principais instrumentos midiáticos não define claramente, corretamente e profundamente o significado de classes sociais.
Antes de responder a questão inicial, precisamos estabelecer em quais parâmetros seguiremos. Existem diversas interpretações e análises que podem responder esse questionamento, de acordo com a visão de mundo, proposta e referencial teórico. Para isso, é preciso se perguntar qual análise você quer fazer da realidade existente, com qual objetivo, e se a sua interpretação reproduz algo que é dominante na sociedade ou se apresenta como contra-hegemônico. Muitas vezes as respostas estão ligadas diretamente ao projeto de sociedade que se vislumbra.
Acreditamos que a corrente marxista de pensamento é a que permite uma melhor interpretação dos fenômenos sociais, políticos e econômicos de nossa sociedade contemporânea, seja a partir de uma análise filosófica, histórica, sociológica ou política. Para isso usaremos do legado teórico de Marx e Engels e as contribuições de diversos pensadores marxistas.
Por muitas vezes percebemos que alguns definem as classes sociais pela renda que cada família possui, somando seus rendimentos mensais. Assim, de acordo com essa renda, se posiciona essa família como classe baixa (os pobres), classe média e a classe alta (os ricos). Essa definição é equivocada, pois são os papéis sociais no interior do modelo econômico vigente, e não a renda, que estabelece as características de uma classe.
De acordo com o marxismo, a atual sociedade capitalista mundial se divide em duas classes essenciais e antagônicas: a burguesia e o proletariado/trabalhadores[1]A primeira – minoritária – exerce seu domínio e sua hegemonia social por meio da posse privada dos meios de produção (fábricas, terras, bancos, etc.), enquanto a segunda – majoritária – é a responsável pela produção de mercadorias e riquezas por meio de seu trabalho. São antagônicas, pois a primeira necessita explorar economicamente a segunda para garantir a sua existência e a reprodução do modo de produção capitalista[2].
Atualmente ainda existe o que alguns intitulam de setores médios, ou “classes médias”, e se localizam em uma faixa entre a burguesia e a classe trabalhadora. São aqueles que possuem profissões não assalariadas, mas a sua sobrevivência depende de seu trabalho. É o caso dos advogados e dos engenheiros com escritório próprio, médicos com seus consultórios, pequenos proprietários rurais e donos de pequenos comércios locais, que não empregam e trabalham para si mesmo. No entanto, à medida que o capitalismo avança sobre essas áreas econômicas, esses setores médios tendem a desaparecer, pois não são fundamentais para o modo de produção atual. O médico, o advogado e os engenheiros são engolidos pelas grandes empresas (transformando-os em empregados assalariados), assim como as grandes redes de supermercado, fast-foods e distribuidoras engolem as mercearias e os botecos do bairro. Sem falar na expansão do latifúndio e das empresas do agro-negócio, que destroem a pequena propriedade rural. A tendência existente no capitalismo é a concentração dos seres humanos em apenas duas classes sociais, já citadas.
A burguesia e os trabalhadores, como ditos anteriormente, são classes antagônicas. Exercem no cotidiano e na história o fenômeno que chamamos de luta de classes. Este consiste em um processo que faz movimentar o próprio desenvolvimento da humanidade. Ao longo da história podemos observar que nos diferentes períodos duas classes se antagonizavam: patrícios e escravos na Roma Antiga, nobres e servos na Europa Medieval, e assim por diante. E a luta entre elas – ora disfarçada, ora explicita – é que possibilita o movimento dialético de incremento das civilizações. O próprio capitalismo que conhecemos hoje é resultado das lutas econômicas, sociais e políticas travadas entre a nobreza e a burguesia, que resultaram nas revoluções burguesas dos séculos XVII, XVIII e XIX. O sistema feudal (a exemplo do que aconteceu com outras) sucumbiu diante de suas próprias contradições e foi destruído pela classe burguesa que exercia, à época, o papel revolucionário da transformação, destruindo o Estado absolutista e criando em seu lugar o Estado burguês.

E hoje?
O capitalismo se encontra hoje em um estágio de esgotamento. O modo de produção capitalista e a lógica do capital são contraditórios e acabam gerando suas próprias crises estruturais. O sistema atual conheceu seu ápice e agora está em visível queda.
Contudo, ao invés de sucumbir de morte natural, o capitalismo busca se recuperar e inventar mecanismos que possibilite seu prolongamento. A burguesia (a classe social dominante), luta de todas as formas a fim de manter seu papel hegemônico sobre a sociedade, e para isso busca aumentar ainda mais a exploração da força de trabalho de sua classe antagônica – os trabalhadores – com o objetivo de reverter a tendência de queda da taxa de lucro[3].
Devemos lembrar que o único elemento que produz riqueza de fato é o trabalho humano. É ele, por meio das máquinas, que transforma um produto em outro produto, conferindo valor de uso e, principalmente no capitalismo, valor de troca. Por isso que quando observamos uma mercadoria precisamos analisar quanto de trabalho humano há incorporado nela.
Mas o trabalhador, responsável por essa produção de riqueza, não obtém o fruto total e real de seu trabalho. Recebe apenas uma compensação – o salário – que garante a sua sobrevivência para o dia seguinte. A diferença entre a riqueza total produzida pelo trabalhador e o seu salário é chamada de mais-valia. A mais-valia expropriada é a fonte de riqueza do burguês proprietário dos meios-de-produção, apesar de seu “trabalho” não conferir nenhum valor para a mercadoria em si.
O trabalhador acaba sucumbindo a isso devido a sua própria condição. Historicamente desapropriado de seus meios de produção próprios (oficinas de artesãos, minifúndios, etc.) se vêem obrigados a se submeter ao trabalho assalariado e a exploração capitalista para garantir a sua própria sobrevivência. E o que garante a manutenção e reprodução dessa exploração e do próprio sistema é o Estado burguês. O Estado, segundo Marx e Engels, é e sempre foi o comitê central da classe dominante. É o instrumento político, jurídico, militar e ideológico que impõe, justifica e naturaliza o sistema existente. Ao longo da história houve diversos tipos de Estado, mas sempre servindo de sustentáculo a classe dominante de um específico período.
No entanto, o capitalismo se encontra em crise. A Europa e os Estados Unidos apontam claramente essa realidade. A super-exploração da classe trabalhadora e a desumanização das condições de vida poderá levar a todos à barbárie, ao fim da própria humanidade[4].

Qual a solução?
Ao contrário do que muitos propagam atualmente, as eleições não se constituem como caminho para a transformação. O regime democrático burguês é somente uma capa de legitimidade que o Estado apresenta. As instituições de poder são constituídas e o moldadas com um único objetivo: gerenciar politicamente o sistema e garantir a sua reprodução. Mas qual o caminho?
A História da humanidade se desenvolve enquanto processo, isto é, de forma processual e constante. E também é um processo social, no qual os sujeitos são as classes sociais (por isso o tema desse texto). Em nosso atual período histórico, a classe que desempenhará o papel revolucionário de transformação é a classe trabalhadora, pois o próprio capitalismo reuniu nela os elementos fundamentais (produção de riqueza, concentração urbana, papel na estrutura econômica) para exercer esse papel. É ela que, por meio das lutas e ações diretas de massas, transformará a realidade existente.
Não obstante, em sua totalidade ela ainda não reconhece seu papel. Dizemos que ela não se percebeu enquanto classe-para-si, isto é, não desenvolveu sua consciência de classe, que permite vislumbrar a realidade, uma alternativa contra-hegemônica e seu papel protagonista na transformação necessária. E essa situação é resultado da imposição da ideologia dominante burguesa.
A burguesia e o capitalismo, como forma de preservar o status quo, impor sobre a totalidade da sociedade a sua forma de enxergar e interpretar o mundo. Seus valores são passados como valores universais, e as condições existentes na sociedade são naturalizadas. Isso faz com que os trabalhadores aceitem como correto e natural o mundo em que se vive.
É nesse sentido que a classe trabalhadora precisa se organizar politicamente, com o objetivo de se instrumentalizar e derrotar o capitalismo, que apesar de em crise, não morrerá de morte natural. O partido político da classe trabalhadora deve se colocar como a organização da vanguarda revolucionária, que dirigirá a sua classe no processo revolucionário, e junto com ela destruirá o aparato político burguês e colocará abaixo o podre poder capitalista. A sua existência é o elemento subjetivo primordial para o sucesso da revolução, e permitirá a libertação ideológica da consciência de classe. Por isso a sua construção junto a classe trabalhadora é fundamental para este fim, sendo por sua vez a expressão política maior daqueles que lutam por um novo mundo justo, igualitário, sem exploradores nem explorados, onde cada ser humano trabalhará e terá segundo suas capacidades e segundo suas necessidades.


[1] Segundo a definição de Marx e Engels, em nota de rodapé no Manifesto Comunista de 1848: Pôr burguesia compreende-se a classe dos capitalistas mo­dernos proprietários dos meios de produção social que empre­gam o trabalho assalariado. Pôr proletários compreende-se a classe dos trabalhadores assalariados modernos, que privados de meios de produção próprios, se vêem obrigados a vender sua for­ça de trabalho para poder existir. (Nota de F.Engels à edição inglesa de 1888) (2009, p.9).
[2] Modo de produção capitalista é o modelo econômico que se baseia na propriedade privada dos meios de produção (sob controle da burguesia), a transformação de praticamente tudo em mercadoria, e a exploração de mais-valia, a riqueza produzida pelo trabalhador.
[3] Queda tendencial da taxa de lucro: O capitalismo depende do investimento de capital para se produzir mais capital, mas a medida que mais se investe, menor é a taxa de lucratividade desse mesmo capital. Isso leva a crises cíclicas no capitalismo e o avanço na exploração do trabalho humano como forma de tentar reverter esse processo.
[4] Não podemos esquecer que a própria Terra (e seu eco-sistema) tem um limite. A vida humana pode se extinguir se as condições materiais se esgotarem.

[i] Cássio Diniz é mestrando em educação pela UNINOVE, professor da rede pública estadual de Minas Gerais e professor-convidado da UNISALESIANO/Lins