sexta-feira, 20 de março de 2009

“As contribuições (ou a falta delas) do anarquismo para o processo revolucionário e o papel dos socialistas revolucionários”

por Cássio Diniz
professor de História e Sociologia do Estado de Minas

(publicado em agosto de 2006)

Aproveitando-se deste momento, onde o conjunto do povo brasileiro, e sendo mais específico, o conjunto da classe trabalhadora brasileira, está diretamente ou indiretamente discutindo a atual conjuntura eleitoral de nosso país, acreditamos ser necessário iniciar uma discussão sobre uma verdadeira alternativa para os trabalhadores, com o objetivo de aprofundarmos a luta para sua libertação perante a classe opressora. Mas para chegarmos a este objetivo, é necessário aprofundarmos um debate entre as diferentes correntes da esquerda revolucionária atual: o anarquismo e o marxismo.
Primeiramente gostaríamos de fazer uma pequena análise de conjunto sobre o anarquismo e sua proposta perante a construção de uma estratégia revolucionário. Podemos notar que nas últimas duas décadas houve um crescimento bastante considerável de idéias anarquistas e anarcófilas entre a vanguarda do movimento de massas mundial. Isto está profundamente ligado ao processo de “crise das esquerdas”, ou como dizia o intelectual americano Francis Fukuyama “crise final da ideologia socialista” e o “fim da história”. Esta crise, casado com o que o argentino Martin Hernandes chama de “vendaval oportunista” que atingiu partidos e aparatos tradicionais da esquerda (reformistas ou revolucionários), fez com que aparecesse (ou reaparecesse) com força as críticas diretas ao marxismo. Principalmente agora, quando o governo Lula, eleito sobre a esperança popular por mudanças profundas na sociedade e na sua engenharia socio-econômica, os trai, não só no campo das idéias (abandono por completo de reivindicações históricas dos trabalhadores), mas também ao adquirir os velhos hábitos das raposas dos partidos burgueses (corrupção, etc.)
Em meio a tudo isso o ideal anarquista aparece como o caminho mais racional e libertário (e único) para a emancipação da classe trabalhadora. Mas será mesmo? Será que existe mesmo razão para os anarquistas e anarcófilos acreditar que o processo de burocratização e traição dos velhos aparatos da esquerda está inteiramente ligado ao marxismo? Ao acreditar neste fatores as pessoas poderão estar cometendo um erro grave, e também histórico.
A principal crítica dos anarquistas em relação ao marxismo é em acreditar que qualquer tipo de tentativa de disputar a consciência das massas pela via da discussão política em combate contra os agentes políticos burgueses é se adequar ao sistema e aos próprios aparatos burgueses. Este posicionamento é composto friamente devido a sua concepção ideológica, desde os tempos de Bakunin, passando por Kropotkin, e chegando até os atuais, como Noam Chomsky. A base ideológica do anarquismo parte quase que exclusivamente na negação do materialismo histórico e dialético proposto por Marx. Como diria o professor Maycon Bezerra: “Bakunin pensa a história da humanidade avançando a partir do desenvolvimento humano, das idéias, e não, como em Marx [...], do desenvolvimento das forças produtivas materiais, das relações sociais de produção e dos antagonismos de classe aí engendrados”.
A partir desta citação podemos identificar o caráter puramente ideológico do anarquismo, e por isso deixa de lado uma análise social e econômico mais profunda do desenvolvimento das relações de classes. Ao deixar de lado esta análise, os anarquistas se aprofundam num grande equivoco.

Se o desenvolvimento histórico está condicionado ao avanço das idéias e ao ímpeto da vontade, descolados de qualquer base material concreta, Bakunin pode afirmar que a revolução socialista (ou diretamente comunista), e o socialismo mesmo, independem de qualquer condição objetiva para sua realização. Qualquer sociedade em qualquer tempo histórico pode ser palco de uma revolução socialista, da implantação do socialismo e da abolição do Estado se os revolucionários souberem ‘despertarem os instintos populares, levando as massas mais empobrecidas e oprimidas da população à luta revolucionária.(BEZERRA)

Esta prática ideológica, casado com a falta de uma análise científica da sociedade humana, coloca o anarquismo em profundas contradições em determinadas épocas ou períodos fundamentais para a classe trabalhadora, que acabam contribuindo para a imposição da ideologia burguesa.
Em se falando de proletariado, parece que os anarquistas não deixam claro quem seria o sujeito social de um processo revolucionário, sendo ele anarquista ou socialista. Bakunin (e depois Kropotkin) afirmou que o sujeito social seria a “flor do proletariado”. Mas ele não deixa claro quem seria esta flor. O máximo em que se avança nisso é que a camada mais oprimida e subjugada da sociedade se colocaria como sujeito da revolução em função de sua miséria coletiva, seus instintos, suas paixões. (uma análise bem subjetiva, falando a verdade). Simplesmente deixa de lado se o sujeito social faz ou não parte de uma determinada posição na estrutura produtiva e nas relações sociais de produção.
Outra máxima do anarquismo, a idéia de que qualquer tipo de organização, baseado na construção de um instrumento de luta classista (o partido operário revolucionário e/ou demais outras formas de tal) acarretaria na burocratização e na imposição do coletivo sobre o individual (a eterna luta pelo princípio da liberdade individual, herança do ideal iluminista francês do século XVIII) Negar a organização política da classe é base fundamental da teoria de Kropotkin. É acreditar na inexistência das relações sociais, na coletividade e no trabalho único (mais uma contradição anarquista). Defender este posicionamento é negar à classe trabalhadora a construção de seus próprios instrumentos de luta de sua emancipação, e também neste caso, negá-los a disputa política. Como Marx e Engels sempre ressaltaram, a construção do partido operário revolucionário pela vanguarda do proletariado e a participação ilimitada, direta e controladora das massas trabalhadoras, é vital para o sucesso de um processo revolucionário.
A partir deste debate, caímos em outro, em relação a participação nas eleições do chamado regime democrático burguês. Para nós socialistas revolucionários (marxistas) é absolutamente claro que os processos eleitorais são terrenos da classe burguesa, pela qual conseguem, através da imposição de uma ideologia da classe dominante e por seu poder econômico, se perpetuar no controle do Estado e da sociedade. Para nós é impossível qualquer tipo de transformação profunda através das eleições burguesas que possa trazer realizações de fato à classe trabalhadora. Isto é claro, inegável e em concordância com os anarquistas. Mas o que nos difere é que acreditamos que a vanguarda do proletariado, organizado no partido operário revolucionário, com um programa claramente classista e de esquerda, tem como dever aproveitar o cenário de discussão política para disputar a consciência das massas. Apontar alternativas reais para as transformações profundas e iniciar uma isenção entre a população para sim, tendo influência necessária, conscientizar e centrar fogo nas lutas diretas do proletariado. Como diria a máxima “só a luta muda a vida”.
Acreditar que, se ausentando da disputa política e da disputa pela consciência das massas é fortalece-los ainda mais é incompreensível e inconseqüente. É deixar espaço cada vez maior para as velhas raposas da burguesia e os novos oportunistas traidores se perpetuarem no controle, não só do Estado, mas da sociedade e da sua consciência. Novamente vemos que este movimento político é puramente idealista e nada científico.
Mas ressaltamos que estas críticas sobre esta ideologia não tem como objetivo reduzir os militantes anarquistas, que tem honestamente seu caráter proletário, e que durante muitos anos dedicaram sua vidas em prol da emancipação da classe trabalhadora. Procuramos aqui somente discutir sobre diferentes pontos de vistas e buscar uma compreensão maior de nossa sociedade e objetivando um bem comum à todos nós. Por isso façamos um chamado à todos aqueles interessados, a iniciarem um debate profundo e sério, não só no campo das ideais, mas também na construção de uma alternativa real para a nossa classe.

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