Olá amigos. Hoje, 21 de abril, é dia de Tiradentes. Mas ao invés de idolatrar aqui um herói da elite colonial do século XVIII e mito construído pelos positivistas do século XIX, prefiro escrever sobre o filme El Che, que estreou mês passado nas capitais (o primeiro da trilogia). O filme conta a vida do revolucionário argentino Ernesto Guevara.
Mas infelizmente ainda vai demorar para chegar no cinema de Caxambu (se chegar). Por causa disso não tem como fazer uma análise do filme. E nem gostaria de contar novamente a tão conhecida história dele. Por causa disso decidi publicar a crítica do filme feito por Jeferson Choma no site do PSTU, que aliás está muito boa. Boa leitura.
Quando indagado por uma jornalista sobre o que é mais importante para um revolucionário, mesmo sob o risco de parecer piegas, Che disse sem hesitar: “Amor. Amor pela humanidade”. Uma resposta inesperada que compõe uma das cenas mais marcantes do filme Che, um Argentino. O diálogo mostra como Guevara se tornou, com inteligência, disciplina e sensibilidade, um dos maiores símbolos da luta revolucionária, da rebeldia e do inconformismo.
Em cartaz desde o dia 27 de março, a vida e a luta do revolucionário são retratadas nas grandes telas numa superprodução dirigida pelo norte-americano Steven Soderbergh (Traffic, Onze Homens e um Segredo).Soderbergh adota um rigor histórico para contar a história de Che, baseado essencialmente em seus diários e cartas. A opção do diretor (assim como a decisão de fazer um filme em espanhol ao invés de inglês) causou enormes dificuldades de financiamento e produção. Algo que explica por que os realizadores passaram sete anos entre pesquisas e filmagens. Com a recusa dos investidores norte-americanos em bancar o filme, a produção terminou sendo financiada por franceses e espanhóis e, até mesmo, pelo dinheiro de outros filmes de Soderbergh, como o hollywoodiano Onze Homens e um Segredo.
O resultado foi um épico de quatro horas e meia de duração, que acompanha a vida de Che desde o primeiro encontro com Fidel Castro, em 1956, na Cidade do México, até a morte na Bolívia, em outubro de 1967. Benicio Del Toro encarna Che com maestria. O ator – que também foi um dos produtores do filme – disse que interpretar Guevara foi o papel mais difícil de sua carreira.Para a exibição ao público, o filme foi dividido em duas partes. A primeira, Che, o Argentino, apresenta o ingresso dele na guerrilha, a mobilização de camponeses e a conquista do poder na ilha com a derrubada do ditador Fulgencio Batista. O segundo filme, Che, a Guerrilha, começa quando o revolucionário parte clandestinamente para a Bolívia para tentar comandar uma revolução no país sul-americano. O segundo filme ainda não tem previsão de estreia no Brasil.
Nas selvas e na tribuna
Ao contrário de Diários de Motocicleta, filme de Walter Salles que explora os primeiros contatos do jovem Ernesto com a situação de pobreza e miséria na América Latina, o filme de Soderbergh aborda em detalhes a atividade revolucionária de um maduro Che Guevara.
Che foi um combatente corajoso, mas sua figura extraordinária foi apresentada, muitas vezes, como o oposto de tudo o que ele era realmente. Em Che, o Argentino, Steven Soderbergh, felizmente, nos apresenta uma figura bem diferente da caricatura messiânica, como muitas vezes foi convertida a imagem do revolucionário.Também não faz concessões mercadológicas que costumam arruinar produções do gênero. Ao invés de apresentar apenas emocionantes batalhas resultando na vitória do movimento de 26 de Julho, o filme descreve os anos em que Che trilhava pelas selvas de Cuba. De maneira semidocumental, o filme intercala cenas da guerrilha na selva com a participação de Guevara na 19º Assembleia da ONU, realizada em Nova York em 1964.
Mas é na Sierra Maestra que Guevara deixa de ser apenas o médico que trata dos guerrilheiros feridos em combate para se tornar um soldado e comandante da revolução. Che, o Argentino também mostra como o revolucionário transformou semianalfabetos desarmados em guerrilheiros e ainda encontrava tempo, em meio aos exaustivos combates e terríveis crises de asma, para passar lições de matemática aos seus companheiros.
O filme também reflete o balanço que o guerrilheiro fazia da própria Revolução Cubana. Em suas memórias, Guevara dava uma importância quase absoluta à luta travada no campo. Por isso, não há no filme uma cena sequer dos combates travados nas cidades, onde a guerrilha urbana desempenhou um papel fundamental na sabotagem ao regime e na articulação do apoio da população à guerrilha.O contraste com a luta nas selvas é realizado através de impressionantes cenas de Che em Nova York. Gravadas em preto e branco, as cenas exibem um Guevara pouco à vontade e confinado a reuniões diplomáticas na cidade-símbolo do capitalismo ianque.
Che, porém, mostra toda sua desenvoltura e ironia, até mesmo em situações excêntricas. Convidado para uma festa por Laura Bersquist, da revista Look, o guerrilheiro é apresentado ao senador democrata Eugene MacCarthy. Che não perde a oportunidade de agradecê-lo pela invasão de mercenários americanos à Baía dos Porcos. “Vocês fortaleceram a solidariedade em torno da revolução”, cumprimenta ironicamente.
Já as cenas do discurso na ONU mostram o extraordinário duelo de palavras entre Guevara e as delegações dos governos latino-americanos, retratados como sempre foram: submissos às ordens de seus chefes em Washington.As cenas em Nova York apresentam também um Guevara tão cansado quanto durante a guerrilha. A razão deste cansaço, infelizmente, não é explorada pelo filme. Na época, Che já caminhava para o ocaso cubano. Suas posições políticas já se encontravam completamente derrotadas dentro do Partido Comunista. O guerrilheiro defendia que Cuba apoiasse a revolução latino-americana. Também foi crítico à aproximação de Cuba com Moscou.
Guevara não fez declarações explícitas confortando a linha política oficial seguida por Cuba. Mas não deixou de espezinhar a linha de coexistência pacífica defendida pelo stalinismo e apoiada por Fidel. “Como marxistas, temos sustentado que a coexistência pacífica entre nações não inclui a coexistência entre exploradores e explorados, entre opressores e oprimidos”, disse da tribuna da ONU, justo no momento em que Fidel acenava com a suspensão de seu apoio à revolução continental em troca de uma coexistência pacífica com Washington (Em Che Guevara: a vida em vermelho, livro de Jorge Castañeda).
Num bem-humorado diálogo sobre a necessidade de ser um pouco louco para se fazer a revolução, Fidel, ainda no México, pergunta a Guevara se aceita o desafio de derrubar Batista. Che aceita, mas impõe uma condição: “terminada a revolução em Cuba, quero estendê-la à América Latina”. Fidel responde: “Está bem. Você é mesmo louco”.Antes de subir na embarção Gramna, em 1956, Che já trilhava o caminho que o levaria a se afastar de Cuba e encontrar a glória e a morte nas selvas bolivianas. Uma trágica história que é contada na segunda parte do filme.
O preço de um equívoco
Che foi uma figura extraordinária e se tornou um ícone da revolução. Mas a linha guevarista, que dizia que na América Latina a tarefa central era organizar guerras de guerrilha a partir de focos guerrilheiros, provocou uma tragédia nas fileiras da esquerda do continente.
Guevara ignorava o papel da classe operária. O método da guerrilha levou uma vanguarda a se distanciar do trabalho político cotidiano junto aos trabalhadores. Muitos se dirigiram até as selvas e montanhas para organizar o exército guerrilheiro.
Guevara ignorava o papel da classe operária. O método da guerrilha levou uma vanguarda a se distanciar do trabalho político cotidiano junto aos trabalhadores. Muitos se dirigiram até as selvas e montanhas para organizar o exército guerrilheiro.
Apesar de todo heroísmo, o efeito foi catastrófico para boa parte da esquerda latino-americana, que se viu isolada e massacrada por uma guerra desigual contra os aparatos dos Estados. O próprio Guevara pagou com a vida o preço da equivocada política guerrilheira.
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