(Mais um texto de minha autoria de alguns anos atrás. Boa Leitura!)
O seguinte texto, de idéia original da matéria “a quem atende o estágio?” escrito por Cássio Diniz, publicado na revista Ruptura, em setembro de 2004, foi elaborado a partir de observações nas mudanças significativas que vem ocorrendo ao longo dos últimos 12 anos, no que diz respeito ao avanço do capitalismo em sua fase mais irracional, e o papel da classe oprimida sob uma visão marxista destes acontecimentos.
Ao observarmos o século XX sobre um patamar que nos fornece, tanto o momento da virada do século, quanto uma visão e perspectiva marxista, podemos perceber flutuações na luta de classes como um todo. Quer dizer, uma hora a classe operária está em retrocesso, onde a burguesia aproveita e avança na exploração e na derrota dos trabalhadores, e outra hora o nível de consciência e mobilização dos explorados aumenta e impõe, pelo menos nos seus interesses próximos, derrotas aos seus algozes.
Essas flutuações, pode se dizer, tornam-se uma característica marcante do século XX. Por exemplo, ao mesmo tempo que existia uma lumpenzação de uma parte da classe operária européia durante os primeiros anos do século XX[1], ocorria um aumento visível dos níveis de consciência de setores laborais que começavam a se organizar, não como entidades próprias de luta[2], mas sim politicamente em números importantíssimos. É neste contexto em que podemos encaixar a Rússia de 1905-1906-1909, onde houve um processo vital para anos depois vir o advento da Revolução Bolchevique. Lógico que também, devido a maré vermelha que rondou a Europa e o mundo, houve um avanço brutal politicamente e ideologicamente sobre os trabalhadores, encabeçados pelos regimes nazi-fascista, que fez com que em muitos locais houvesse um retrocesso do movimento. Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial houve novamente um crescimento favorável aos trabalhadores[3] onde foi possível (na visão dos stalinistas) expandir a revolução, e tendo como a última onda o período de 1989, onde há um avanço, mas que infelizmente cai no retrocesso dos anos 90. Como diria Valério Arcary:
A última, entre 1989-91, começou em Berlim, vinculou-se à “revolução de veludo” na Tchecoslováquia, estendeu-se à Romênia e culminou nas greves mineiras na Rússia. Antiburocratica, combateu um inimigo mais frágil, mas sucumbiu como fogo de palha: ardeu intensamente, mas por pouco tempo. Venceu sobre os restauracionistas moderados de Gorbachev, para entregar o poder aos extremistas, como Ieltsin. (ARCARY, 2004, p. 135)
É justamente sobre este último período, e seu posterior retrocesso é que podemos encaixar o atual período em que o mundo está passando. Só que se observarmos melhor, podemos perceber que este retrocesso é muito mais forte e brutal, não na imposição de barreiras e derrotas, mas na própria construção, ou podemos dizer melhor, na aceitação de um discurso da classe dominante sobre os trabalhadores no mundo. Isso talvez ocorra por dois motivos claros:
1. A queda do regime soviético, que polarizava com o capitalismo como alternativa real para uma futura, possível e real vitória dos trabalhadores no mundo, faz com que o movimento operário fique perdido cegamente no que se refere ao um novo caminho em que pode se apoiar, contribuindo para uma idéia de um determinismo catastrófico;
2. Mudanças significativas no próprio sistema capitalista, que segundo a previsão de Lênin no início do século XX e comprovada nos dias de hoje, fazem com que o avanço do imperialismo (imperialismo, fase superior ao capitalismo) internacional, coloque o capitalismo em sua fase monopolista, e ao mesmo tempo se constrói a ideologia do determinismo catastrófico, o que podemos chamar de neoliberalismo.
A partir destes dois pontos podemos encaixar o atual retrocesso, tanto na prática, quanto ideologicamente. Na prática o próprio movimento operário e seus organismos de luta, que cai numa maré reformista e conciliatório, tomando formatos de verdadeiros amortecedores da luta de classes, levando ao campo ideológico uma idéia de que é necessário a conciliação de classes e a união de “todos os cidadãos” em prol da construção de um mundo melhor, lógico que por dentro do status quo atual. A essa idéia chamamos de social-liberalismo[4], isto é, um novo discurso social que justifica o neoliberalismo. Como diria James Petras no caso do Brasil:
A filosofia operacional do governo do PT tem vários postulados-chave: (1) O Brasil vive uma crise que só pode ser remediada mediante uma política de austeridade promovida pelas instituições financeiras [...]. (2) O Brasil só poderá crescer se proporcionar incentivos aos grandes capitais nacionais e internacionais [...]. (3) O livre mercado, com mínima intervenção estatal, regulação e controle [...]. (PETRAS, 2003, p.)
Agora procuremos encaixar esse avanço econômico e ideológico do capitalismo nas próprias relações sociais de trabalho atualmente. Podemos ver que os trabalhadores estão cada vez recebendo salários menores (deteriorando conquistas salariais) e as grandes empresas acumulando mais capitais. Mas procuremos olhar essas mudanças mais profundamente. Não está apenas diminuindo sua compensação de sobrevivência, mas sim está perdendo-a. Incrível, mas é o que vem ocorrendo.
Preste atenção no fenômeno da terceirização nas empresas e órgãos públicos, onde há cortes em recursos humanos, salários pagos, e até mesmo na força-de-trabalho. Há neste momento uma desvalorização do trabalhador sem que se desvalorize sua produção. O homem então deixa de receber para sobreviver para sub-viver, em condições subumanas, onde o próprio ser se adapta a essa condição.
Com isso na cabeça pergunto O que faz um trabalhador aceitar ganhar R$ 380,00 ao mês para trabalhar 10 horas por dia durante um trabalho temporário de três meses, onde não receberá mais nenhum dinheiro, pois não é considerado vínculo trabalhista? É a própria condição e imposição do sistema (fome, miséria, falta de expectativa, etc.) contribui para a super-exploração do trabalhador. Está mesma pessoa produzirá a mesma riqueza que um dez anos antes, só que a um custo bem menor para a empresa, aumento seu lucro diretamente.
Esse modo de pensar sobre a sua própria condição de existência do ser humano é aproveitado em diversos outros segmentos da sociedade contemporânea, dentro ou fora do estado e de seus órgãos diretos e indiretos. Privatizações, políticas de desligamento de compromissos básicos par com seus “cidadãos”, etc. são esses fenômenos observados. Um caso óbvio é os chamados trabalhos voluntários “impostos”, como os programas de distribuição de bolsas universitárias para estudantes voluntários. Estes estudantes serão obrigados a prestar serviços, no lugar de professores profissionais onde receberiam um salário digamos digno, em troca da “oportunidade de poder estudar em uma universidade”. Percebe-se então uma contradição enorme. O homem irá trabalhar (produzir riqueza, diretamente ou indiretamente) em troca de, não de uma pequena riqueza para sobreviver, mas de um sagrado direito a poder estudar.
Em base nestas reflexões, será que podemos falar que há uma mudança nas relações sociais, onde a mão-de-obra assalariada está se transformando em uma mão-de-obra servil, fazendo surgiu uma espécie de neo-servidão?
Vemos então neste exemplo duas conseqüências: cortes de custos diretos (na qualidade também) e uma construção de uma idéia que serve de base para essa super-exploração. E isso podemos encontrar em diversas outra áreas e ramos da economia, como também no refluxo da organização dos trabalhadores para enfrentar estes novos desafios. É por isso que se torna fundamental uma nova análise profunda dessas novas mudanças nas relações sociais, onde poderemos localizar as forças existentes e contrárias, e a partir daí construir uma nova mentalidade, onde se torna possível reverter o refluxo e também, mais importante ainda, avançar com a luta de classes a favor da classe trabalhadora.
Bibliografia
MARX, Karl. Manifesto Comunista de 1848. Editora Martin Claret. São Paulo, 1997
REIS, José Carlos. A História, entre a Filosofia e a Ciência. Editora Ática. 3.º edição. São Paulo
LINHARES, Maria Yedda, Marxismo e História no século XX. Editora Grijalbo. 3.º edição. São Paulo. Pág. 68
MARX, Karl. ENGEL, Friederich. História. Organizador Florestan Fernandes. Editora Ática
ARCARY, Valério. As esquinas perigosas da História, situações revolucionárias em perspectiva marxista. Editora Xamã. São Paulo. Edição 1, 2004
PETRAS, James. Para onde vai o Brasil? Revista Marxismo Vivo, Editora José Luiz e Rosa Sunderman, ano 2003, número 7, pág. 27
WELMOWICKI, José, A nova crise do Imperialismo e a revolução mundial. Revista Marxismo Vivo, Editora José Luiz e Rosa Sunderman, ano 2003, número 7, pág. 7
[1] efeitos da belle époque: momento na qual o capitalismo dava seus últimos suspiros no conceito de conquistas materiais e sociais em nações consideradas de capitalismo avançado.
[2] Entidades próprias de lutas: organizações sindicais onde os trabalhadores se organizam não para fazer a revolução, ou lutar por ela, mas sim para lutar por conquistas próximas sindicais (aumento de salários, diminuição de jornadas de trabalho, etc.) Isto não impede que os sindicatos acabem se tornando órgão de duplo poder em períodos pré-revolucionários, mas não faz parte de sua natureza.
[3] Graças a uma idéia fundamentada na vitória soviética na Segunda Guerra Mundial, onde o regime é colocado como acessível e forte o bastante para mostrar a possibilidade de vitória total sobre o capitalismo. Lógico que se escondia de fato a política stalinista (coexistência pacífica) de se barrar a própria revolução mundial.
[4] Social-Liberalismo: Conceito surgido no neo-comunismo europeu, principalmente na sua vertente francesa, no qual defende uma nova análise conjuntural, onde se tornaria possível a luta pelo socialismo através das conquistas materiais do capitalismo e conseqüentemente do neo-liberalismo. Isso leva a um apoio incondicional as tais medidas neoliberais em países de governos de Frente-Popular (vide França/Miterrand e Brasil/Lula)
Nenhum comentário:
Postar um comentário