Teoria: o que são classes sociais?
por Cássio Diniz[i]
Muitas vezes ouvimos falar em classe baixa,
classe média, classe alta, como forma de definir as classes sociais existentes
em nossa sociedade. Contudo, a definição que permeia esses termos existentes no
senso comum e nos principais instrumentos midiáticos não define claramente,
corretamente e profundamente o significado de classes sociais.
Antes de responder a questão inicial,
precisamos estabelecer em quais parâmetros seguiremos. Existem diversas interpretações
e análises que podem responder esse questionamento, de acordo com a visão de
mundo, proposta e referencial teórico. Para isso, é preciso se perguntar qual
análise você quer fazer da realidade existente, com qual objetivo, e se a sua
interpretação reproduz algo que é dominante na sociedade ou se apresenta como
contra-hegemônico. Muitas vezes as respostas estão ligadas diretamente ao
projeto de sociedade que se vislumbra.
Acreditamos que a corrente marxista de
pensamento é a que permite uma melhor interpretação dos fenômenos sociais,
políticos e econômicos de nossa sociedade contemporânea, seja a partir de uma
análise filosófica, histórica, sociológica ou política. Para isso usaremos do
legado teórico de Marx e Engels e as contribuições de diversos pensadores
marxistas.
Por muitas vezes percebemos que alguns
definem as classes sociais pela renda que cada família possui, somando seus
rendimentos mensais. Assim, de acordo com essa renda, se posiciona essa família
como classe baixa (os pobres), classe média e a classe alta (os ricos). Essa
definição é equivocada, pois são os papéis sociais no interior do modelo
econômico vigente, e não a renda, que estabelece as características de uma
classe.
De acordo com o marxismo, a atual sociedade
capitalista mundial se divide em duas classes essenciais e antagônicas: a
burguesia e o proletariado/trabalhadores[1]. A primeira – minoritária – exerce seu domínio e sua hegemonia social por meio da posse privada dos meios de produção (fábricas, terras, bancos, etc.), enquanto a segunda – majoritária – é a responsável pela produção de mercadorias e riquezas por meio de seu trabalho. São antagônicas, pois a primeira necessita explorar economicamente a segunda
para garantir a sua existência e a reprodução do modo de produção capitalista[2].
Atualmente ainda existe o que alguns intitulam
de setores médios, ou “classes médias”, e se localizam em uma faixa entre a burguesia
e a classe trabalhadora. São aqueles que possuem profissões não assalariadas,
mas a sua sobrevivência depende de seu trabalho. É o caso dos advogados e dos engenheiros
com escritório próprio, médicos com seus consultórios, pequenos proprietários
rurais e donos de pequenos comércios locais, que não empregam e trabalham para
si mesmo. No entanto, à medida que o capitalismo avança sobre essas áreas
econômicas, esses setores médios tendem a desaparecer, pois não são fundamentais
para o modo de produção atual. O médico, o advogado e os engenheiros são
engolidos pelas grandes empresas (transformando-os em empregados assalariados),
assim como as grandes redes de supermercado, fast-foods e distribuidoras
engolem as mercearias e os botecos do bairro. Sem falar na expansão do
latifúndio e das empresas do agro-negócio, que destroem a pequena propriedade
rural. A tendência existente no capitalismo é a concentração dos seres humanos
em apenas duas classes sociais, já citadas.
A burguesia e os trabalhadores, como ditos
anteriormente, são classes antagônicas. Exercem no cotidiano e na história o
fenômeno que chamamos de luta de classes. Este consiste em um processo que faz
movimentar o próprio desenvolvimento da humanidade. Ao longo da história
podemos observar que nos diferentes períodos duas classes se antagonizavam:
patrícios e escravos na Roma Antiga, nobres e servos na Europa Medieval, e
assim por diante. E a luta entre elas – ora disfarçada, ora explicita – é que
possibilita o movimento dialético de incremento das civilizações. O próprio
capitalismo que conhecemos hoje é resultado das lutas econômicas, sociais e
políticas travadas entre a nobreza e a burguesia, que resultaram nas revoluções
burguesas dos séculos XVII, XVIII e XIX. O sistema feudal (a exemplo do que
aconteceu com outras) sucumbiu diante de suas próprias contradições e foi
destruído pela classe burguesa que exercia, à época, o papel revolucionário da
transformação, destruindo o Estado absolutista e criando em seu lugar o Estado
burguês.
E
hoje?
O capitalismo se encontra hoje em um estágio
de esgotamento. O modo de produção capitalista e a lógica do capital são
contraditórios e acabam gerando suas próprias crises estruturais. O sistema
atual conheceu seu ápice e agora está em visível queda.
Contudo, ao invés de sucumbir de morte
natural, o capitalismo busca se recuperar e inventar mecanismos que possibilite
seu prolongamento. A burguesia (a classe social dominante), luta de todas as
formas a fim de manter seu papel hegemônico sobre a sociedade, e para isso
busca aumentar ainda mais a exploração da força de trabalho de sua classe
antagônica – os trabalhadores – com o objetivo de reverter a tendência de queda
da taxa de lucro[3].
Devemos lembrar que o único elemento que
produz riqueza de fato é o trabalho humano. É ele, por meio das máquinas, que
transforma um produto em outro produto, conferindo valor de uso e,
principalmente no capitalismo, valor de troca. Por isso que quando observamos
uma mercadoria precisamos analisar quanto de trabalho humano há incorporado
nela.
Mas o trabalhador, responsável por essa
produção de riqueza, não obtém o fruto total e real de seu trabalho. Recebe
apenas uma compensação – o salário – que garante a sua sobrevivência para o dia
seguinte. A diferença entre a riqueza total produzida pelo trabalhador e o seu
salário é chamada de mais-valia. A
mais-valia expropriada é a fonte de riqueza do burguês proprietário dos
meios-de-produção, apesar de seu “trabalho” não conferir nenhum valor para a mercadoria
em si.
O trabalhador acaba sucumbindo a isso devido
a sua própria condição. Historicamente desapropriado de seus meios de produção
próprios (oficinas de artesãos, minifúndios, etc.) se vêem obrigados a se
submeter ao trabalho assalariado e a exploração capitalista para garantir a sua
própria sobrevivência. E o que garante a manutenção e reprodução dessa
exploração e do próprio sistema é o Estado burguês. O Estado,
segundo Marx e Engels, é e sempre foi o comitê central da classe dominante. É o
instrumento político, jurídico, militar e ideológico que impõe, justifica e
naturaliza o sistema existente. Ao longo da história houve diversos tipos de
Estado, mas sempre servindo de sustentáculo a classe dominante de um específico
período.
No entanto, o capitalismo se encontra em
crise. A Europa e os Estados Unidos apontam claramente essa realidade. A
super-exploração da classe trabalhadora e a desumanização das condições de vida
poderá levar a todos à barbárie, ao fim da própria humanidade[4].
Qual
a solução?
Ao contrário do que muitos propagam
atualmente, as eleições não se constituem como caminho para a transformação. O
regime democrático burguês é somente uma capa de legitimidade que o Estado
apresenta. As instituições de poder são constituídas e o moldadas com um único
objetivo: gerenciar politicamente o sistema e garantir a sua reprodução. Mas
qual o caminho?
A História da humanidade se desenvolve
enquanto processo, isto é, de forma processual e constante. E também é um
processo social, no qual os sujeitos são as classes sociais (por isso o tema
desse texto). Em nosso atual período histórico, a classe que desempenhará o
papel revolucionário de transformação é a classe trabalhadora, pois o próprio
capitalismo reuniu nela os elementos fundamentais (produção de riqueza,
concentração urbana, papel na estrutura econômica) para exercer esse papel. É
ela que, por meio das lutas e ações diretas de massas, transformará a realidade
existente.
Não obstante, em sua totalidade ela ainda não
reconhece seu papel. Dizemos que ela não se percebeu enquanto classe-para-si, isto é, não desenvolveu
sua consciência de classe, que permite vislumbrar a realidade, uma alternativa
contra-hegemônica e seu papel protagonista na transformação necessária. E essa
situação é resultado da imposição da ideologia dominante burguesa.
A burguesia e o capitalismo, como forma de
preservar o status quo, impor sobre a
totalidade da sociedade a sua forma de enxergar e interpretar o mundo. Seus
valores são passados como valores universais, e as condições existentes na
sociedade são naturalizadas. Isso faz com que os trabalhadores aceitem como
correto e natural o mundo em que se vive.
É nesse sentido que a classe trabalhadora
precisa se organizar politicamente, com o objetivo de se instrumentalizar e
derrotar o capitalismo, que apesar de em crise, não morrerá de morte natural. O
partido político da classe trabalhadora deve se colocar como a organização da
vanguarda revolucionária, que dirigirá a sua classe no processo revolucionário,
e junto com ela destruirá o aparato político burguês e colocará abaixo o podre
poder capitalista. A sua existência é o elemento subjetivo primordial para o
sucesso da revolução, e permitirá a libertação ideológica da consciência de
classe. Por isso a sua construção junto a classe trabalhadora é fundamental
para este fim, sendo por sua vez a expressão política maior daqueles que lutam
por um novo mundo justo, igualitário, sem exploradores nem
explorados, onde cada ser humano trabalhará e terá segundo suas capacidades e segundo suas necessidades.
[1]
Segundo a definição de Marx e Engels, em nota de rodapé no Manifesto Comunista
de 1848: Pôr burguesia compreende-se a
classe dos capitalistas modernos proprietários dos meios de produção social
que empregam o trabalho assalariado. Pôr proletários compreende-se a classe
dos trabalhadores assalariados modernos, que privados de meios de produção
próprios, se vêem obrigados a vender sua força de trabalho para poder existir.
(Nota de F.Engels à edição inglesa de 1888) (2009, p.9).
[2]
Modo de produção capitalista é o modelo econômico que se baseia na propriedade
privada dos meios de produção (sob controle da burguesia), a transformação de
praticamente tudo em mercadoria, e a exploração de mais-valia, a riqueza
produzida pelo trabalhador.
[3]
Queda tendencial da taxa de lucro: O capitalismo depende do investimento de
capital para se produzir mais capital, mas a medida que mais se investe, menor
é a taxa de lucratividade desse mesmo capital. Isso leva a crises cíclicas no
capitalismo e o avanço na exploração do trabalho humano como forma de tentar
reverter esse processo.
[4]
Não podemos esquecer que a própria Terra (e seu eco-sistema) tem um limite. A
vida humana pode se extinguir se as condições materiais se esgotarem.
[i]
Cássio Diniz é mestrando em educação pela UNINOVE, professor da rede pública
estadual de Minas Gerais e professor-convidado da UNISALESIANO/Lins
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